jogar linhas:
carta de marina rima para mauro figa
Bauru, país dos baurets, 30.07 – 03.08 – 07.08 – 10.08 – 19.08, 2020.
Mauro,
Vaca, manacá, nuvem, saudade
- Uma coisa que me interessa muito é o começo das coisas. Eu sou boa de lembrar de começos, gosto de marcar o tempo. Mas a virtualidade impõe uma sintaxe outra: se as coisas estão no simultâneo, como capturá-las e ordená-las?
- Outro dia te pedi para escrever a orelha do livro, mas demorei a dizer. Na verdade, foi um pedido pelo impulso. Eu não pensei muito, só pedi. Você disse que sim, mas deve ter se perguntado por quê. Bom, eu acho que sei o porquê.
- Voltando ao virtual, você acha que a gênese da materialidade na virtualidade se dá como? É como nesse mundo analógico em que você planta uma muda e ela cresce? Ou você acha que soa mais como se você desplantasse uma árvore e plantasse ela em outro lugar?
- Tem também uma coisa que é a aura. Aparentemente, cada um tem a sua. Você acha que a aura é uma coisa que é possível de capturar na virtualidade? Ou você acha que existe uma aura analógica e uma virtual?
- A pessoa que escreve agora isso é uma pessoa virtual. Meu eu virtual é como meu eu analógico, mas um pouco mais distante de mim. E, por isso, distante de outros. Acontece que eu já te conheci antes, mas essa pessoa com quem eu falo, quem é?
- Eu pensei, então, em escrever uma carta. Porque uma carta é algo muito pessoal. Assim, eu estaria o máximo próxima de mim para poder me aproximar de você.
Vislumbro certas coisas de onde estou
- Quando comecei a escrever essa carta, descobri que é muito difícil escrever cartas, assim, abertas. Porque como eu poderia dizer algo pessoal de forma pública, sem soar ridícula? (Neste momento que escrevo agora, digo a mim mesma que sou poeta e sei mentir).
- Bom, a verdade é que ensaio tanto para dizer qualquer coisa que na maioria das vezes não digo. Não porque eu queria dizer e não sabia como. Não porque eu queira dizer e tenha receio. Não chego a juntar as palavras na minha cabeça. É como uma nuvem de signos que não conhece nenhuma sintaxe.
- Então, te pergunto as coisas. Como quando perguntei se você queria escrever a orelha do meu novo livro.
Eu que existindo tudo comigo, depende só de mim
- Não costumo comentar muito porque sempre sou mal interpretada, mas a verdade é que nunca edito poema nenhum. Sempre escrevo de uma vez, geralmente leva poucos minutos e raramente volto àquele poema. O poema, pra mim, tem isso. Não é uma coisa que eu penso penso e escrevo. É uma coisa que eu escrevo e penso penso. É como se outrem (que fosse eu) deixasse uma linha para que eu puxasse e mostrasse para esse outro (que não fosse eu) quem eu sou. Mas sou eu, sempre. Embora, outra. Embora, eu.
- Por isso que escrever essa carta tem sido tão estranho. Porque em cima desses blocos de textos há outros blocos que escrevi e abandonei. Ideias descontínuas. Coisas para apagar. Me autoconsolo dizendo que é difícil escrever cartas. Desvio para mim. Faço perguntas.
Naquilo tudo que não tem fim
- Quanto mais próxima chego de dizer qualquer coisa, menos palavra encontro. Ou menos claro é.
- Não posso cair na tentação de abandonar um poema que não diz nada ou uma carta aberta que insiste em manter-se em segredo.
Não sei o que vai ser
- Talvez queira ter escrito essa carta pra ficar em silêncio.
- Talvez tenha decidido escrever porque sabia que não escreveria.
- Talvez eu não saiba me comunicar virtualmente, através de cartas ou mesmos em áudios de wtsp. Talvez não seja a mensagem, talvez seja o meio.
Coragem grande é poder dizer sim
- Mas eu disse que sabia porque tinha te pedido para escrever a orelha. Eu sei por quê. Esse pedido é o poema. É algo que escrevi sem pensar. É uma resposta que não sei a pergunta. É um jeito de marcar o tempo. É uma forma de ficar próximo, estando km de distância. É uma cerveja que a gente não tomou. É um jeito de fazer reverência. É uma maneira de sonhar. É uma maneira de deixar-se ver a aura do que é virtual. É uma maneira de morrer. É uma maneira de estar vivo. É um movimento. É um diálogo. É uma música que não existe ainda. É um poema dramático. É uma forma de contornar os significados. É uma carta difícil de escrever. É um jeito de jogar uma linha. É um abismo para se jogar.
Sua amiga virtual e analógica,
Marina.
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Imagem da capa
JINJU, Lee. Restraints-Boundaries. 2012. Disponível em: http://www.artistjinju.com/Restraints-Boundaries
Marina Rima é geminiana e é poeta. Pesquisa e dá aula.
Mauro Figa é fotógrafo, pesquisador, professor e faz parte de um monte de projetos bacanas em BH.