festas

Para financiar a impressão da revista surrealpolitik, promovemos festas na Growleria de Arte, bar e galeria de arte de Belo Horizonte (MG). Foram sete festas no ano de 2019. Para cada uma delas, nós, Pedro Rena e Urik Paiva, confeccionamos releases loucos, pequenos manifestos para uma vida mais dançante, cartas de trânsito para uma viagem espacial. As festas contaram com a participação especialíssima de Cris Araújo nas projeções e tiveram como DJs Luís Moura, Amanda Mendonça, Benedito Ferreira, Luiz Simões, Artur “Tutti” Costa, Roberto Bellini e Renan da Ponte.

surrealpolitik: festa #1

meu corpo agora está aberto, tudo perto — como 2 e 2 são vínculo. uma molécula diz sim à outra, diz vemk, vem sentir o calor dos lábios meus, diz mas era primavera e até o leão (o leão que está solto nas ruas, com as garras soltas no ar) lambeu a testa da leoa — e eu correspondi a esse beijo. isto é uma tensão e uma intenção — uma in-tesão. isto é um rapto e uma fuga. isto é um discurso indireto livro. isto não é nada demais, vá direto à natação. é meu bandido corazón, que no puedo controlar, pois ele está a bailar, bye lar. a mortal loucura, cura. entre meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu. um pequeno voo da ordem dos prazeres, da música, pequenos vícios e truques de todo gênero. noite-trucagem, vida lekking. flagelos e delícias. monte você também o seu sonho acordado. escreva dançando — com seus tons, os mil tons, seus sons e seus dons geniais. pense no desenho que faz o conjunto de seus muitos pés quando riscam o chão. desemposse os impostores. franz kafka for president. o brasil não é longe daqui. let’s dance. let’s play that.

surrealpolitik: festa #2

moramos na melhor cidade da américa do sul, eu quero morrer na américa do sul: sur-realpolitik. young (south) americans. quero entrar por teu nariz, dentro do seu corpo é o meu país. vem, entrem: a casa é de vocês. é uma casa — como direi? — absoluta. sei como é uma casa louca. habitem em mim: para sempre, por inteiro. o mais importante e bonito, do mundo dissonante que tentamos inventar, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — elas estão sempre com seus corpos bailando. afinam e desafinam (a surrealidade é que aprendemos com carlos e joão pra sempre a ser desafinados), viram e reviram: revirá vocês (explosão). marchas nômades através da vida noturna desafinando o coro dos contentes. visionários da beleza, narcisistas do mal, os ilumencarnados seres que esta festa habitarão: todos eles dançam. a cultura, a civilização? elas que se danem. bahia onipresentemente, ceará e belíssimo horizonte. o peripatetismo, surrealpsicopolitismo, que também significa: deus é quem decide a nossa sorte. e deus, mesmo, se vier, que venha chapado. quando penso que a festa é na growleria, no sábado à noite, deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida. eu não devia te dizer, mas essa rua, mas esse chope, botam a gente comovido como o diabo. o que vem antes e depois ficará para mais tarde.

surrealpolitik: festa #3

as pessoas só têm charme em sua loucura: eis o que é difícil de ser entendido. o verdadeiro charme das pessoas é quando elas não sabem muito bem em que ponto estão: let me take you down, cause we’re going to surrealpolitik — nothing is real. é preciso estar sempre bêbado, tudo consiste nisso: eis a única questão. por que se é amigo de alguém? a amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas. não é o fato de ter ideias em comum, é o fato de se entender sem precisar se explicar. estou tentando entender, tentando dar a alguém o que vivi: a infinita interconexão de todas as coisas. ser amigo é ver a pessoa e pensar: “o que vai nos fazer rir hoje? o que nos faz rir no meio de todas essas catástrofes?” é isso. perceba o enorme prazer — a incrível alegria — que sentimos em ser o que somos agora. agora, porque o tempo não importa, é apenas uma questão de estar aqui: diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um enorme prazer dividir uma cidade e uma noite com vocês — mil sonhos serão urdidos na cidade, na escuridão, na amizade. 

surrealpolitik: festa #4

certa noite, ao despertar de sonhos intranquilos, franz kafka encontrou-se na growleria de arte metamorfoseado no gigantesco dançarino, o maior dançarino do mundo, acompanhado de seu amigo max brod. nesta noite, as estrelas, não mais tranquilamente consteladas, bailam locas, com ares sabadeiros. porque hoje é sábado, o dia da criação. é com os pés grandes que vamos desenhar o salão, gravar a marca do nosso charme e da nossa loucura. porque hoje é sábado, merecemos um drink, um trago, um beijo. não vai sobrar nada do país do futuro, mas estaremos aqui — os insetos sobreviventes. as baratas pós-atômicas. elas dançam. mas o mundo pós(tumo) é o mundo que se tece da ruína: engrenagem do fim: com a dança, gravar firmemente as coisas no chão e no ar, com os amigos. meus amigos são um barato. aumenta esse som. deixa a luz do corpo entrar no corpo outro. dançai-vos uns aos outros. porque hoje é sábado, há a perspectiva do domingo. 

surrealpolitik: festa #5

um pouco de possível. produção de presença. luz. a flora dos ipês. exercícios de sustentação. manuais de sobrevivência. a gargalhada geral. franz e max. abc da greve. mais luz. a mais triste nação, a mais dançante nação. se um viajante numa noite de sábado. uma dor elegante. convida-se o público a dançar. a gente tem que sentir o que escreve. a tarefa de estar junto. como estar junto. explosão por simpatia. o corpo é a página que lemos. suor e cerveja. aulas de voo gratuitas. música e pólvora. memória e projeto. enquanto dançamos, desenhamos no chão o plano comum. a gente precisa inventar mais chão. eu só posso crer num povo que dança.

surrealpolitik: festa #6

se você for ao dicionário, vai ver que a palavra vaga-lume se refere a você. se você for novamente ao dicionário e consultar o verbete dança, vai ver que se refere a você. acontece também com a palavra música, com a palavra alegria, com a palavra cerveja: elas todas significam você. atos de fala: atos de festa. desviamos o corpo das palavras: limite, ordem, tristeza, sono. damos ao corpo o sem-nome. isto é presença e paisagem. junte a bela palavra amor com a delirante palavra delírio. se você for ao dicionário, vai ver que a palavra sábado se refere a você: você é o sábado. você é a noite. se você for ao dicionário, não vai encontrar lá a palavra fim.

surrealpolitik: festa #7

meu olhar é o pequeno submarino cujos mísseis frenéticos atingem você em cheio. é a guerra da noite, a disputa de território que significa a supressão de todo o território que há entre nossos corpos. quem joga o jogo dos cílios vira o deus da dança. nanotecnologias, nanossegundos, nanopolíticas: tudo acontece no pequeno mundo que se ergue por tão impressionantes e vultosos detalhes. olho por olho, língua por língua. eu falo com os pés o idioma noturno. vamos fazer barulho que é para não acordar a tristeza. respiração celular, ligações iônicas, vírus do amor: fazemos dos corpos um só mínimo múltiplo comum. leia na minha camisa. tire a minha camisa. leia diretamente no meu peito. isso soa como um conto do borges. isso soa como um sonho. isso sua.