atração:
carta de andré elias para pedro rena

Itajubá, 25 de junho de 2020.

         Caro Pedro,

Mascaro seu nome pela transgressão da missiva, se algum dia te chamei assim eu devia estar extremamente sóbrio. Deus sabe quanto não suporto estar sóbrio, só não é pior que estar ébrio. Entre dois pólos eu transito no embalo da repulsão.

Faz falta o contrário, porém. Atração. Esta coisa que o orgulho prefere ver o nome na sarjeta do que admitindo. Mas a parte boa da atração é que ela acontece sem muito depender de nós, quando muito se disfarça, acha graça, não dá bandeira. Enquanto isso fica lá a bandeira, desdada em todo seu potencial flamulante.

Me atrai a desconexão, me atrai o silêncio, me atrai a liberdade do relaxamento em que não se pensa, reage, e na reação se revela. Revelar pra si mesmo, que o mundo parece essa língua estranha escrita em código e a gente alterna o olho entre o letreiro e a cartilha com a tradução dos sinais — só pra descobrir que desde o começo estava tudo em estrangeiro.

E são nessas horas, as que estamos em liberdade para deixar a cartilha de lado e se comunicar de verdade, por estados e não por signos, com máximo de significância e mínimo de significado, com os gestos e olhares e as bandeiras todas no varal, que respiro aliviado: tô em casa. E casa é onde sou teu vizinho. Então sim, há alguns anos estou sem casa. Mas é tudo bem; assim posso ser esse andarilho de estrangeiro que sempre babei pelos road movies, únicos filmes possíveis. E quando preciso, quando acontece a desconexão (sábia e rara), posso respirar aliviado e ser transportado a um tempo em que entre ti e mi só há a campainha.

Caminhemos, companheiro.

Abraço do seu,

André E.

_

Baixe a carta aqui.

Imagem da capa
WENDERS, Wim. Frame de Paris, Texas. 1984.

André Elias é professor de história. Formado em História pela UFMG.