sempre fomos malucos:
carta de manu julian para luiz fortini
[Em resposta à carta de Luiz Fortini]
São Paulo, 13 de julho de 2020, 02:30h.
Caro Luiz, com Z, não S. — certo? Certo,
São poucas as pessoas que me chamam assim, de Manuela. É com um L só. Engraçado, quando me chamam assim, muitas vezes soa mais íntimo: e eu não sei por quê. Outra curiosidade é que tenho um nome gigante. Sou a Manuela Julian Gontijo Alves Pinto, a única da minha geração de primos com o sobrenome Gontijo, que herdei da minha avó paterna. Ela se chamava Vilma Gontijo e faleceu poucos meses antes do meu nascimento. Quase que me chamei Vilma! Qual você prefere?
Acho que nossa intimidade é quase espontânea, por mais que mísera. A sensação de realmente ter feito um novo amigo nesse período tão maluco me deixa contente. Quem diria! Mesmo que para papos inúteis sobre os dias que seguem nessa solidão estranha (que nos acompanha a um tempo que se aflora cada vez mais). Solidão que implode numa exaustão e profundo bode de nossa própria companhia.
Sei que estamos em momentos diferentes da vida, e por mais óbvio que isso seja não é tão definitivo assim. Obrigada por me esclarecer uma coisa que não conseguia colocar em palavras. Essa angústia, a desistência, a solidão. As coisas que sobem como números num termômetro se aquecendo. O espaço onde estamos todos perdidos em vão, tentando dar significado a matemáticas e oferecendo propostas que nem têm a ver com as ciências exatas. Ah, e são tantas as propostas!
Essas propostas e conversas em que só se fala e não se ouve. Quando conversamos conosco, quando esperamos o pior. Nunca pensei na escuta como forma de aquietar esse diálogo que temos ao falar com nossas próprias paredes. A gritaria interna, essa onde as palavras se rebatem como se tocássemos uma música a partir de uma partitura que foi picada no liquidificador. Mas agora o que podemos ouvir?
Eu sinto falta do meu próprio silêncio. Sinto que devemos partir para a espera. Mas será que a escuta não serve para cairmos mais ainda num mundo em que nós mesmos continuamos perambulando perdidos? Se bem que perambular já não é mais uma coisa que fazemos nesses tempos.
Sempre me senti meio maluca quando só. Sempre fomos malucos. Mas agora é tempo demais elaborando coisas. Exatamente porque, no fundo, não sabemos o que queremos ouvir ou que de fato ouvimos quando fechamos os olhos. Será?
Estamos sozinhos e alienados de formas que não imaginamos. Nosso corpo parece que não nos pertence. Nos lembramos dele e de seus membros na gastrite, dor nas costas e como, disse antes, na vontade de fazer xixi. Você também se sente assim? Tem algo de errado nisso, eu sinto. Ou não. A dúvida muitas vezes me fecha os ouvidos e me faz querer entrar no mundo de propostas terríveis. O medo me faz querer estar preparada para o pior. Mas obrigada. Vou ouvir, até porque uma das coisas mais deliciosa da vida é ter curiosidade. Ter dúvida e ouvir com calma e até prazer diferentes respostas. Com calma, com uma partitura recém-impressa ou escrita à mão.
Te pergunto o que você ouve quando fecha os olhos e lembra que tudo é tão gigante. Quando olhamos o horizonte não vemos depois daquela linha final, o que nos faz reparar em cada pequeno detalhe. Quando ouvimos, nos calamos e sentimos os arredores como se tivéssemos em qualquer lugar do mundo. Não é possível nunca escolher apenas um sentido. No fundo, devemos perceber quando se calar, quando ouvir e quando abrir os olhos e observar escondidos. Será?
No fundo, muito obrigada pela sua proposta.
Vou fechar os olhos, respirar fundo. Não desejar, almejar, esperar ou temer nada para além daquilo que posso ouvir de dentro do meu quarto.
Um abraço (de olhos fechados),
Manu, Manuela, ou Manuela Julian Gontijo Alves Pinto, ou o que quiser.
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Imagem da capa
JULIAN, Manu. Exercícios. 2020.
Manu Julian, artista visual em formação pela FAAP. Paulista, ainda reside em SP. Trabalha também como vocalista das bandas Ferne e Pelados.
Luiz Fortini é graduando em Artes pela UFF e vive isolado em Belo Horizonte.